Cabine C, grupo criado por Ciro Pessoa, que teve seu primeiro trabalho produzido por Luiz Schiavon em 1987

A história do Cabine C, a banda que teve seu primeiro trabalho produzido por Luiz Schiavon.




Ciro Pessoa - o criador do Cabine C - foi também um dos fundadores do Titãs, grupo no qual permaneceu até momentos antes de seu primeiro lançamento oficial, em 1984. São dele algumas composições clássicas do grupo, como Sonífera Ilha e Homem Primata. 

Ciro decidiu sair do Titãs pois não estava gostando dos rumos "tropicalistas" e "reggae" que a banda seguia. Sua intenção era criar um grupo mais "roqueiro". Assim, em 1984, nascia o Cabine C.

Após esse grave baque, o Cabine C ficou um bom tempo inativo, buscando uma reformulação. Mas após um longo hiato, a banda renasceu das cinzas com sua nova e definitiva formação: Ciro Pessoa (voz e guitarra), Wania Forghieri (teclados) e as novas integrantes Anna Ruth (baixo) e Marinella 7 (bateria). E a partir de então, o pós punk do grupo assumiu de vez sua identidade: sombrio, em algum lugar entre o desespero e a delicadeza.

iro se inspirava em nomes como Edgar Allan Poe, Baudelaire e Arthur Rimbaud, para produzir uma poesia altamente existencialista e desoladora. A sonoridade do grupo remetia a nomes como Siouxsie & The Banshees, X-Mal Deutschland, Cocteau Twins e também tinha algumas características da coldwave francesa, mas com uma alma própria. Esses ingredientes combinados com a estética do grupo, agradaram em cheio aos darques da época e a banda logo ganhou esse "rótulo". Ciro também foi apresentado como uma espécie de porta-voz dos darques em uma matéria emblemática do jornal Estado de São Paulo. Como tantas outras bandas da época, eles procuraram rechaçar a alcunha, apesar de ser inegável que o Cabine C estava totalmente submerso nessa atmosfera.


"Somos um grupo que produz músicas sombrias porque a tristeza é um dos sentimentos mais ricos em beleza." - Ciro Pessoa para a Folha de SP.


O grupo ganhava muitos admiradores, tornando-se um dos favoritos dos porões paulistanos. Assim, surgiu o convite da recém criada RPM Discos (gravadora do grupo RPM) para finalmente lançarem um álbum. Refletindo sobre a tensão de entrar no concorrido circuito comercial, Ciro Pessoa disse para a revista Bizz: "Vamos ser jogados aos leões, não sabemos se vamos domá-los ou ser comidos".


O nome do grupo (retirado de um filme do Hitchcock e que remetia a cabine de um navio) e a variedade das canções, que pareciam aportar em vários locais, deram até um ar temático ao álbum.
"(O disco) percorre um roteiro. Passa pelo Oriente Médio na música que dá título ao LP; Buenos Aires no tango Lapso de Tempo; ou Japão através de Jardim das Gueixas." - disse Ciro Pessoa para a Bizz. Do outro lado, haviam as fortes referências literárias presentes em todo repertório (principalmente Edgar Allan Poe e os existencialistas), resultando em uma linda e atemporal obra.

O disco abre com Pânico e Solidão, inspirada no livro "As aventuras de Arthur Gordon Pym", de Edgar Allan Poe. A letra, que também pode ser interpretada como uma metáfora para a inevitável decadência humana, é um resumo do espírito do disco e combina perfeitamente com a melodia rasgante e fúnebre. Em seguida, a minimalista Lapso de Tempo - influenciada pela marcação do tango - segue a viagem rumo ao abismo, não perdoa e evoca o memento mori: "O tempo está passando".
A terceira faixa é a sufocante Anos. Soando como X-Mal Deutschland, Ciro, Wania e Anna gritam e repetem uma única frase - a acrônica e inevitável reflexão: "O que eu tenho feito todos esses anos?".

O clima desesperador do álbum dá uma breve trégua com a suave e paradisíaca Jardim das Gueixas. Essa faixa conta com a participação de Akira (Akira S & As Garotas que Erraram) no stick, um instrumento de cordas tocado com ambas as mãos. O timbre misterioso confere um clima oriental e onírico à canção. Uma curiosidade é que essa foi uma das poucas faixas que Ciro continuou tocando em sua carreira solo. O lado A do álbum fecha com a faixa instrumental A Queda do Solar de Usher. Baseada no conto homônimo de Poe, é uma bela e singela peça atmosférica. Teclados lúgubres, guitarras ecoantes e a surpreendente voz lírica de Marinella enaltecem o clima fantasmagórico do som.

O Lado B do disco abre com a potente Lágrimas, uma cativante, enigmática e emocionante canção de amor. Na sequência, temos a instrumental Opus 2 transbordando melancolia em um ritmo cadenciado. A impecável Tão Perto, é tão contagiante que se torna impossível não cantar junto alguns trechos desse relato ambíguo sobre o amor e a vida. Enérgica e dançante, é também presença constante nas pistas que conseguem manter viva a memória da produção dark nacional do passado. Foi também a única que conseguiu um relançamento. Em 2005, a faixa foi remasterizada para a seminal coletânea de pós punk brasileiro: “The Sexual Life of the Savages”.



A quase valsa Soldadas, é a canção mais política do disco. Mas vai além de um simples discurso antibélico, afinal: "A guerra somos nós dois / a guerra são eles três / a guerra está no falar / a guerra não se acaba". Já a umbrosa Neste Deserto - outro grande destaque - tem um clima desolador que nos remete a uma viagem solitária em paisagens áridas. A inspiração é no filósofo budista Nagarjuna. Aqui, a sonoridade gótica é levada aos últimos limites, casando com a poesia inspiradamente niilista de Ciro: "Sei que te amo / mas isso é pouco / pode ser tudo / mas tudo é nada". Pois é, nem o amor salva na dura viagem do Cabine C. E o desfecho primoroso do LP se dá com o instrumental inebriante de Fósforos de Oxford, de sabor árabe e lembrando alguns momentos de Dead Can Dance.

O álbum, no geral, foi muito bem recebido pela crítica. O pós punk soturno e melancólico do grupo agradava principalmente porque soava autêntico e se diferenciava das outras bandas do mercado. Fósforos estava em plena consonância com um fenômeno que era chamado de gótico, sobretudo na Inglaterra. Antes desse álbum, nada havia sido feito no Brasil com tal consistência.


O fato é que o Fósforos de Oxford não vendeu como o esperado. Cerca de oito mil cópias foram vendidas, pouco para as altas expectativas da incipiente gravadora que alçava vôos mais altos. Mas é importante observar que essas marcas foram alcançadas sem uma distribuição eficaz e sem nenhum esquema de divulgação, em um dos casos mais emblemáticos da indústria fonográfica brasileira. A RPM Discos foi a falência logo após essa presepada, gerando uma longa disputa judicial entre seus representantes e Ciro (a gravadora também cobrava um empréstimo que havia feito a banda). Esse estresse acabou afetando o grupo, que (também devido conflitos internos) começou a se desfazer.

Marinella e Anna Ruth deixaram a banda. Dois argentinos chegaram a substituí-las por um tempo e Ciro se esforçava para lançar material novo. Quatro músicas chegaram a entrar no repertório: "Acidentes", "Recado Chinês", "Cotonetes Disco Nexos" e "Nossas Cabeças são Nossos Erros". Uma versão de "Sete Nomes", excelente música do Smack, também era tocada nas apresentações. Mas o segundo disco (que já tinha até nome: Cotonetes Disco Nexos) efetivamente nunca saiu do papel.


Ciro Pessoa:
"A verdade é que foi ficando cada vez mais difícil fazer shows, sobreviver [...] Fomos nos cansando desta história ridícula, limitada e preconceituosa que é a música no Brasil e nossa resistência no underground foi chegando ao fim".

Décadas depois, Marinella também deu sua versão para a revista Cult_47:
"Acho que as relações pessoais entre nós quatro começou a se confundir, e por conta disso houve uma implosão. Não levamos este trabalho adiante por causa disto. Não vou entrar em detalhes, pois isto diz respeito não só a mim, e respeito a privacidade deles também. E as vezes um trabalho artístico é como um ciclo, tudo tem seu tempo, começo, meio e fim".

Com o fim do Cabine C, Ciro se viu envolto em problemas de dependência química, o que o fez se afastar da música por um longo tempo. Manteve ainda carreira de escritor, trabalhando em diversas revistas e - anos mais tarde - seguiu carreira solo, onde tem dois álbuns lançados: "No meio da chuva eu grito Help" (2003) e "Em dia com a Rebeldia" (2010). Ambos distantes da sonoridade do Cabine C, mas bons discos de rock em meio ao marasmo do rock mainstream brasileiro.


Mais tarde, Ciro prosseguiu sua carreira musical se dedicando ao projeto Flying Chair. "Pânico e Solidão" e "Jardim das Gueixas" eram músicas do Cabine C executadas nas apresentações do grupo. Além disso, um documentário sobre a carreira de Ciro começou a ser produzido.



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